quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Humildade e desigualdade

JULIA SWEIG

Democratas e republicanos começam a questionar a concentração de riqueza nas mãos de 1% dos EUA

Os políticos americanos e seus assessores peritos estão tentando decifrar como falar de pobreza e desigualdade nos EUA sem recorrer a eufemismos que escondam a verdade. É uma experiência de humildade para um país que se orgulha de sua mobilidade social: admitir que esforços anteriores atolaram, que a disparidade aumentou e está prejudicando nossa coesão nacional.
A experiência do Brasil é instrutiva. Num país onde desigualdade e identidade nacional andam de mãos dadas, 25 anos atrás uma classe política inteira, abrangendo todo o espectro político, decidiu que democracia sem inclusão social é insustentável. Esperemos que o despertar da classe política americana se faça acompanhar de um ajuste semelhante de posição.
Há diferenças grandes, a começar pela quase ausência hoje de movimentos sociais nos EUA que lutem por grandes transformações. No Brasil, não foi só uma equipe econômica inteligente que finalmente começou a mudar a situação --isso se deveu também aos movimentos sociais que deixaram claro que a população pobre e trabalhadora merece condições de vida melhores.
Mesmo sem ativistas nas ruas, republicanos e democratas estão se sintonizando com o espírito popular e político e começando a questionar a concentração de riqueza nas mãos de menos de 1% da população. Temos milhões demais de eleitores e potenciais eleitores que vivem na pobreza, e uma concentração alta demais desses milhões é formada por negros, hispânicos e crianças. Também temos uma classe média cujos salários estão estagnados há anos e para a qual o ensino superior se tornou algo quase fora de seu alcance. Nossa meritocracia corre perigo.
E isso remete diretamente à questão de nossa autoimagem e do cálculo político que nos impele, ainda hoje, a procurar eufemismos para falar de classe social.
Os democratas, especialmente os que têm reflexos de Wall Street, avisam ""como fez recentemente o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers--que qualquer discussão sobre a disparidade deve evitar a "política da inveja". Estão embutidas nessa frase todas as contradições dos novos democratas de (Bill) Clinton que agora estão se reposicionando como quase-populistas de (Hillary) Clinton.
Entre os nós que precisam ser desfeitos: como o governo pode ajudar a melhorar as condições das famílias trabalhadoras e de classe média, quando os regulamentos financeiros --a desregulamentação, na realidade--tiveram o efeito de transferir a riqueza para longe dessas famílias, rumo ao ápice de pirâmide?
E como financiar uma campanha política sem as contribuições financeiras dos beneficiários dessa desregulamentação? O que fazer quando o crescimento, por si só, não ajuda a classe média? Censurar os críticos dessas distorções, tachando-os de estraga-prazeres, é algo que mata o diálogo.
As metas de desenvolvimento sustentável para 2030 definidas pela ONU em 2014 requerem que todos os países membros, incluindo os EUA, reduzam a desigualdade e eliminem a pobreza. Isso, sim, é um tópico que dá margem a conversa. Folha, 11.02.2015.

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