sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Como África do Sul, Teerã é prova do inesperado na diplomacia. Como o regime adotou a tática midiátrica do Movimento Verde de 2009

ANÁLISE
SHERVIN MALEKZADEH
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando Nelson Mandela morreu, líderes e políticos de todos os matizes o celebraram como estadista. Mas, em seus anos na prisão, não faltavam nos EUA partidários do regime que o colocara lá --e detratores no governo e na direita viam o futuro Nobel da Paz como pouco mais que um terrorista e um charlatão.
É difícil recordar hoje, mas a África do Sul foi país de péssima reputação. Membro do Eixo do Mal nos anos 80, era tido como malévolo o bastante para fornecer vilões à imaginação pública, do implacável P. W. Botha ao bandido de "Máquina Mortífera 2".
A evolução da relação EUA/África do Sul é instrutiva quanto à melhora na relação EUA/Irã, tornada possível pela surpreendente eleição de Hasan Rowhani.
O presidente do Irã adotou um caminho duplo para a diplomacia, visando negar às elites políticas dos EUA uma posição de superioridade moral e, ao mesmo tempo, buscar diálogo direto com o público americano mais amplo.
O uso de veículos como Facebook e Twitter melhora a imagem iraniana no exterior ao ajudar os americanos a esquecer o Irã de Ahmadinejad, do filme "Argo" e de líderes que negam o Holocausto.
Os tuítes são sintomas de um público iraniano cansado de ser visto como pária. Eleições têm consequências, até no Irã, e se Rowhani está em condição de conduzir campanhas no Twitter é porque foi levado a essa posição por um povo ansioso por restaurar o bom nome de seu país.
As raízes da reabilitação iraniana recuam ainda mais, ao Movimento Verde de 2009. As imagens de iranianos marchando aos milhões, exigindo respeito a seus votos e sendo detidos, espancados ou coisa pior, tornaram possível aos americanos se imaginar como companheiros na luta pela democracia, um conflito patrocinado pela tecnologia do Twitter e do Facebook.
O Movimento Verde fez os norte-americanos voltarem a aceitar a possibilidade de um "bom" Irã e abriu caminho à atual diplomacia pública e via mídia social de Rowhani.
Foi necessário surto similar de violência para que se prestasse atenção ao sofrimento dos negros sul-africanos: o massacre de mais de 500 estudantes no levante de Soweto, em 1976. Ele fez da África do Sul, para os americanos, novo estágio na luta continuada por direitos civis.
Inesperados, Soweto e o Movimento Verde ilustram a natureza desestruturada da diplomacia pública. A história recorda a melhora de reputações nacionais como resultado de projetos intencionais liderados por uma elite.
Mas, em momentos críticos da África do Sul e do Irã, governo e oposição estavam defasados com relação à opinião pública, correndo para responder a acontecimentos que pouco tinham feito para formular ou controlar.

Ruídos: Na política e na diplomacia tudo tem significado

ELIANE CANTANHÊDE
BRASÍLIA - A prioridade da política externa brasileira em 2014 é restabelecer uma relação saudável e produtiva com a maior potência do planeta. Precisa dizer qual é?
A ironia é que, enquanto os EUA têm acesso a comunicações do mundo todo, o ruído na linha entre Washington e Brasília continua.
O governo Dilma não se contentou com as seguidas demonstrações de Obama, que determinou um diagnóstico da espionagem, foi à TV se explicar e convidou o chanceler Luiz Figueiredo para ir ao país.
E o governo Obama registrou com satisfação a decisão firme do Brasil de não acolher o delator Snowden, mas não consegue entender outras sinalizações não só do governo brasileiro, mas da própria Dilma.
Ficou "disappointed", em linguagem elegante, ou sentiu um soco no estômago, em outra nem tanto, com a derrota dos caças da Boeing para os da sueca Saab. E está tentando digerir como natural a demora de Figueiredo em marcar a data da sua ida.
Por último, os EUA perguntam-se, perplexos: como o Brasil pode almejar uma vaga permanente no Conselho de Segurança se simplesmente desdenha a participação nas negociações de Montreux pela paz na Síria?
Os EUA incluíram o Brasil numa demonstração de confiança e não entendem como o chanceler, que já iria para Zurique, ali ao lado, enviou o segundo escalão para Montreux por ordem de Dilma. Qual foi o recado? Na diplomacia, tudo tem significado.
Quem conhece bem o Brasil e a América do Sul até pode deixar barato: foi algo meio impensado, erro de avaliação. Mas, para quem não conhece --os que estão lá, à distância, no Departamento de Estado-- só aumentam a perplexidade, as interrogações, a crise de confiança.
Se a prioridade de 2014 é a reaproximação com os EUA, a política externa parece não estar começando bem o ano. Provavelmente, menos pela capacidade de Figueiredo, mais pela incompreensão de Dilma sobre o que vem a ser diplomacia.
Fonte: Folha, 24.01.2014

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Brasil não pode ser uma ilha - Pedro Luiz Passos


É hora de a política de comércio exterior permitir que se rompa o isolamento do país na economia global
A intensa proliferação de acordos comerciais eleva ao grau de urgência a definição de uma nova política de comércio exterior para o Brasil, de forma a romper o isolamento internacional a que o país se submeteu nos últimos anos.
A falta de ação nessa área retarda ainda mais nossa integração à economia globalizada e atrasa a retomada do crescimento interno. A estratégia para dar mais fluidez às relações de troca com outras economias exige ações em diversas frentes --entre elas os acordos comerciais merecem atenção especial.
O país ficou à margem do forte movimento de negociações bilaterais que modificou a dinâmica nos fluxos comerciais e redesenhou o mapa de produção ao redor do planeta. Dados da OMC (Organização Mundial do Comércio) mostram que os acordos deixaram de ser só instrumentos para facilitar transações comerciais e se tornaram o motor na evolução do intercâmbio global.
Em 1991, a entidade contabilizava 50 acordos em vigor. Dez anos depois, o número já havia saltado para 200, e, em julho de 2013, atingiu o patamar de 379. Os Estados Unidos participam de 14 tratados desse tipo, enquanto a União Europeia está envolvida em 35.
Ao priorizar as negociações multilaterais em detrimento dos acordos preferenciais, o Brasil assumiu o papel de espectador nesse processo. A pujança do mercado interno contribuiu para tal alienação, como se o incentivo ao consumo local e o estímulo ao intercâmbio internacional fossem excludentes.
As raras iniciativas para estreitar relações comerciais externas ocorreram por intermédio do Mercosul e da Aladi (Associação Latino Americana de Integração), mas a falta de vigor de ambos não permitiu avanços substanciais.
Mesmo os poucos acordos firmados diretamente com outros países se revelaram excessivamente modestos, tanto no número como na relevância dos parceiros e na abrangência dos termos negociados, limitados a tarifas preferenciais e sem aprofundar questões importantes como o acesso a mercados e serviços.
O isolamento internacional do Brasil poderá se aprofundar caso o país não se integre à tendência de mega-acordos, desencadeada em 2011 com o lançamento da TPP (Trans-Pacific Parnership), que envolve Estados Unidos e outros 11 países de três continentes, e com a TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership), reunindo EUA e União Europeia, cujas bases foram estabelecidas no ano passado.
Distante dessa movimentação, o Brasil deixará de usufruir dos benefícios destinados aos países participantes, como tarifas especiais, padronização de procedimentos e desburocratização, entre outros. Bens exportados atualmente por empresas brasileiras passarão a sofrer concorrência mais acirrada por parte de mercadorias produzidas em países signatários de tais acordos.
Além disso, com a multiplicação no número de tratados comerciais, as vantagens que o Brasil usufrui em acordos ora vigentes poderão deixar de existir, já que outros países conquistarão condições semelhantes.
Vale lembrar o exemplo do Chile, que celebrou anos atrás um acordo com o Mercosul, garantindo acesso preferencial para produtos e serviços do bloco vizinho. O país, porém, firmou vários outros acordos com economias de peso no cenário mundial, como EUA, China e União Europeia, o que, na prática, anula parte dos benefícios concedidos originalmente aos membros do Mercosul.
Ou seja, a demora em formular políticas comerciais adequadas coloca nossa economia diante de duas ameaças imediatas: não colher os ganhos gerados por novos acordos e perder acesso privilegiado já existente a mercados no exterior.
A lenta inserção do Brasil na economia internacional também inibe o seu desenvolvimento econômico. A pouca exposição à concorrência externa não estimula investimentos em inovação e gestão empresarial.
A intensificação no fluxo de comércio com outros países, tanto na importação como na exportação, possibilitaria a integração às cadeias globais de valor, permitindo o acesso a insumos mais baratos e tecnologias mais avançadas. Assim, uma política de comércio exterior que rompa o isolamento brasileiro traria ganhos para toda a economia.
Uma condição é necessária para que isso ocorra: o Brasil precisa rapidamente ganhar competitividade, o que, por seu turno, requer que sua produtividade aumente e que o governo desenvolva bons programas em educação e infraestrutura.