quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A resiliência americana e a eventual adesão brasileira ao novo ciclo de globalização

MATIAS SPEKTOR
O mundo à esquerda
Estratégia internacional do Brasil foi baseada na tese, equivocada, de que poder dos EUA declinaria a longo prazo
Acaba de sair uma leva de estudos a respeito do impacto da crise financeira de 2008-2009 sobre o equilíbrio de poder mundial.
O material sinaliza uma mudança nos termos da conversa global sobre o tema, pois revelam que nem os Estados Unidos declinaram nem a China ascendeu como muitos esperavam. Pelo contrário, a hegemonia econômica norte-americana apresentou uma fabulosa capacidade de adaptação.
Os autores são acadêmicos e intelectuais de esquerda cujos trabalhos podem ser lidos nos números mais recentes de "International Studies Quarterly" e "Review of International Political Economy".
De 2008 para cá, os investidores norte-americanos galgaram posições na carteira de ações de multinacionais de países como China, Índia e Brasil.
Em eletrônicos, farmacêuticos, mídia, petróleo e serviços bancários, a preponderância norte-americana ficou inquestionável.
Um fator central é a resiliência do dólar: não tem euro, renminbi ou cesta de moedas capaz de desafiá-lo. Não à toa, após a crise, o governo chinês incrementou sua compra de títulos do Tesouro norte-americano. E quando a agência Standard and Poor's rebaixou a nota da dívida dos Estados Unidos, em 2011, o mercado não reagiu fugindo, mas investindo ainda mais.
"Ah", dizem os críticos, "mas os Estados Unidos têm um deficit gigantesco". Sim, e sua capacidade de mantê-lo revela a dimensão de sua força.
"Mas a desigualdade americana está em alta". E você esperava o que de um capitalismo pujante?
"Mas o desemprego nas capitais americanas aumenta". Claro, os investidores americanos migraram a produção industrial pesada e mais poluente para a Ásia, em busca de melhores margens de lucro.
Sem dúvida, a gestão da ordem global está muito longe de ser controlada pelos Estados Unidos. E as vozes fora do Atlântico Norte têm uma influência antes inimaginável.
Mas os estudos mostram que a expectativa de uma nova distribuição de poder no cenário internacional foi exagerada.
A consequência disso para a condução da política externa brasileira é direta: boa parte da estratégia internacional brasileira durante os últimos anos foi baseada na tese de que, a médio e longo prazo, o poder americano declinará.
Se o cenário é de hegemonia inconteste dos Estados Unidos, qual diplomacia é mais benéfica para os 200 milhões de brasileiros?
Até agora, a única figura pública a alertar para a retomada econômica dos Estados Unidos e seus impactos geopolíticos tem sido FHC. Sua conclusão é a esperada: o país precisa de um novo ciclo de adesão à globalização.
Falta saber o que pensa a esquerda. Aderir ao novo ciclo de globalização pode resolver uma série de problemas, mas criará outra.
Se o poder americano segue em alta --e se a ênfase em diplomacia Sul-Sul apresenta, por isso mesmo, limites estreitos--, o que fazer?
Fonte: Folha, 11.12.13.

www.abraao.com



terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Diplomacia americana no rumo certo

INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN
BOSTON
Em "The Unwinding" (O desenrolar), seu ótimo livro sobre o desgaste da tessitura social dos Estados Unidos, George Packer dedica um capítulo a Colin Powell, o ex-secretário de Estado que não enxergou como estava sendo driblado por ideólogos, que o induziram a apresentar argumentos públicos em favor de uma guerra no Iraque de cuja justificativa ele próprio tinha dúvidas.
Quando a guerra no Iraque começou, o presidente George W. Bush disse que andava dormindo como um bebê [ou seja, sem preocupações]. Packer relata que a resposta de Powell foi: "Eu também ando dormindo como um bebê. De duas em duas horas, acordo gritando."
Uma década se passou desde então, e a gritaria praticamente não parou. Diatribes, calúnias, discursos em tom grandioso e posições pouco razoáveis vêm acompanhando uma política externa americana ziguezagueante em que o papel do Departamento de Estado em muitos momentos tem sido secundário ao da Presidência, do Pentágono e da Agência Central de Inteligência (CIA). Os grandes problemas -Afeganistão, Irã, Israel-Palestina- continuaram como feridas abertas. Surgiram outros, no Egito e na Síria. A política externa em muitos momentos parece ter sido ditada, ou frustrada, por quem grita mais alto. A estadística tem sido um termo quase pitoresco, de tão distante do que se tem visto na prática.
Em seu primeiro mandato, o presidente Obama tentou frear a ampliação dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Assim que a previsível gritaria começou, ele deixou a questão de lado. Envolveu-se numa cacofonia em torno do Afeganistão. O resultado foi um custoso envio de tropas adicionais. Apenas agora é que Obama parece estar descobrindo o trabalho árduo e o "toma lá, dá cá" da diplomacia.
John Kerry é um secretário de Estado muito diferente de Hillary Clinton, que enxergava o cargo por uma ótica política sobretudo doméstica e, por essa razão, relutava em encarar os problemas realmente difíceis. Kerry já perdeu sua chance de ser presidente. Para ele, o que conta são as conquistas diplomáticas significativas.
O acordo interino com o Irã, congelando o programa nuclear desse país no ponto onde está por seis meses, enquanto se busca um acordo pleno, representa uma conquista enorme. É o melhor trato que poderia ter sido feito agora. Cria algum espaço para o Irã e os Estados Unidos reduzirem seu distanciamento (nenhum acordo final fará qualquer sentido se os dois países continuarem envolvidos numa virtual guerra indireta em várias frentes). Mas, para além de sua utilidade prática, o acordo fechado em Genebra tem grande significado político.
Ele foi concluído a despeito da forte oposição de Israel, da rejeição acirrada do poderoso lobby pró-Israel nos Estados Unidos e da hostilidade no Congresso. Pagando um custo político importante por isso, Obama desafiou facções que têm sido dominantes. Ele o fez baseado na convicção de que o acordo atenderá aos interesses de longo prazo dos EUA. Foi um ato de coragem política que se fazia muito necessário.
Pesquisas de opinião mostram que a maioria dos americanos é a favor do acordo, assim como muitos membros influentes do establishment de segurança e defesa. Numa carta às lideranças do Senado e da Câmara de Deputados, cinco ex-embaixadores dos EUA em Israel e quatro ex-subsecretários de Estado, incluindo Thomas Pickering e Nicholas Burns, disseram que o acordo é um avanço. Eles escreveram:
"Estamos cautelosamente esperançosos de que os Estados Unidos, juntamente com outras potências mundiais, chegarão dentro de seis meses a um acordo abrangente que impeça o Irã de obter uma arma nuclear, que resulte no desmantelamento máximo possível do programa iraniano e que reduza muito o incentivo iraniano para até mesmo considerar tal opção." Eles notaram, também, que "décadas de apoio americano constante às necessidades de segurança de Israel hoje garantem que as muito conhecidas e amplamente compreendidas capacidades militares estratégicas de Israel sejam muito superiores às do Irã; e a situação deve continuar a ser essa".
Mesmo Henry Kissinger e George Shultz, dois ex-secretários de Estado republicanos que têm reservas em relação ao acordo interino, admitem que alguma capacidade nuclear iraniana limitada e estritamente monitorada fará parte de qualquer acordo de longo prazo possível. Eles escreveram no "Wall Street Journal":
"A diplomacia americana tem três tarefas pela frente: definir um nível de capacidade nuclear iraniana limitada a utilizações civis plausíveis (alcançando salvaguardas para assegurar que esse nível não seja excedido), deixar aberta a possibilidade de um relacionamento genuinamente construtivo com o Irã e traçar uma política para o Oriente Médio ajustada às novas circunstâncias."
Pelo fato de que a diplomacia americana retornou, desafiando a horda que declama discursos, essa tarefa imensa hoje já deixou de ser impossível.
    Fonte: NYT