quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Na África, tradings invertem o fluxo e miram mercado interno: Continente é visto como mais aberto a companhias privadas

DO "FINANCIAL TIMES"
Na fábrica de processamento de alimentos que dirige em Lagos, Mukul Mathur descreve os milhares de quilômetros que seus tomates percorrem. À primeira vista, a odisseia entre a Nigéria e a Califórnia parece corriqueira, na era da globalização.
Mathur pode parecer apenas mais um comerciante adquirindo matérias-primas na África e as vendendo em mercados distantes e mais ricos.
Mas na verdade ele opera uma cadeia de suprimento que contraria as rotas de comércio da era colonial.
"Plantamos tomates na Califórnia, os processamos em forma de concentrado triplo e embarcamos o produto para a Nigéria", diz Mathur, comerciante nascido na Índia, na fábrica de US$ 12 milhões que a Olam, uma das maiores tradings --como são conhecidas as empresas que negociam commodities--, abriu em Lagos este ano.
A rota de suprimento de commodities da Califórnia à Nigéria teria sido impensável uma década atrás, quando o mundo dos negócios internacionais ainda considerava a África como um continente no qual a atividade econômica estava em declínio.
Mas com a aceleração do crescimento econômico, a demanda interna africana também está explodindo.
Para as tradings, essa é uma grande oportunidade que está invertendo seu modelo tradicional de negócios.
No jargão do setor, a África sempre foi um negócio de "origem", fornecendo matérias-primas para o exterior: ouro da África do Sul, café da Etiópia, petróleo da Nigéria, cacau da Costa do Marfim e cobre de Zâmbia.
A exportação de commodities africanas canalizou milhões de dólares aos cofres de magnatas estrangeiros.
Mas, nos últimos cinco anos, um novo negócio com a África como "destino" emergiu. "O potencial da África é imenso", diz Ivan Glasenberg, presidente da Glencore Xstrata, maior operadora mundial de commodities.
Outras grandes tradings de commodities como a Vitol e a Trafigura, da Suíça, investiram bilhões de dólares no continente, nos últimos cinco anos, para atender aos consumidores regionais.
A Cargill, maior trading mundial de commodities agrícolas, está estudando um primeiro investimento na Nigéria, e pretende plantar mandiocas no país para produzir amido e adoçantes.
Sua rival Louis Dreyfus Commodities recentemente formou uma joint venture com o Willowton Group, da África do Sul, para vender arroz aos sul-africanos.
A florescente demanda por commodities não é exclusivamente africana. Ásia e América Latina também têm apetite voraz por matérias-primas mas, nesses casos, empresas estatais desempenham papel maior nas operações de commodities. A África oferece às tradings mais liberdade de operação.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Livro Branco da Política Externa: Bibliografia Básica (Matias Spektor)

Livro a ser redigido pelo governo ajudará a definir prioridades e disciplinar interesses contraditórios
O governo promete redigir um "Livro Branco de Política Externa".
Caso examine a relação entre objetivos estratégicos e meios disponíveis, a empreitada merecerá um aplauso vigoroso.
Uma estratégia de política externa usa recursos escassos para criar poder, prestígio e influência no cenário mundial. Tal ascensão, quando acontece, oferece ganhos concretos ao cidadão comum, que vive num sistema global interligado.
O processo de elaboração do "Livro Branco" pode ajudar a esclarecer quais estratégias são mais viáveis e desejáveis ao Brasil de hoje.
O exercício é valioso porque o ambiente internacional em que vivemos é bem distinto daqueles de 1995 e de 2003, quando FHC e Lula apresentaram suas estratégias.
De Mercosul a Brics, da presença na África ao relacionamento com as grandes potências, a demanda atual por ajuste e inovação na política externa brasileira é ampla.
O processo do "Livro Branco" poderá aglutinar, pela primeira vez, uma torrente de informações públicas sobre esses assuntos.
Ganhará força se aproveitar a evidência empírica produzida por universidades, Ipea, ONGs e consultorias de comércio exterior, cujas estatísticas e estudos --cada vez mais profissionais-- raramente informam a formulação de política externa.
Ganhará também se conseguir dialogar de fato com uma sociedade civil cada vez mais engajada em assuntos de política externa.
Uma vez pronto, o "Livro Branco" terá várias utilidades. Servirá para brigar por orçamentos e disciplinar os interesses contraditórios das burocracias. Ajudará a estabelecer prioridades, calibrando a ênfase dada a cada assunto da pauta.
Seu valor principal, contudo, será o de provocar uma conversa coletiva sobre diplomacia, energizando o aparecimento de ideias.
Sem dúvida nenhuma, a redação do texto será feita a poucas mãos e em sintonia total com o Planalto. Por isso, o exercício será objeto de disputa entre governo e oposição, alimentando divisões de praxe.
No entanto, qualquer tentativa das partes de empastelar o debate público encontrará um ambiente intelectual mais sofisticado e, por isso mesmo, menos tolerante com a empulhação.
Uma leitura de cabeceira útil para a jornada que começa é o monumental "Strategy: a History", de Laurence Freedman (US$ 14,49).
Em suas relações públicas, o governo diz querer uma diplomacia de resultados concretos.
Talvez o Planalto não precise aguardar a publicação do "Livro Branco" para soltar os 174 atos internacionais parados na Casa Civil à espera de rubrica presidencial.
Tais instrumentos facilitam a cooperação financeira com terceiros países e evitam dupla tributação, por exemplo.
Encalhados, eles punem o trabalhador brasileiro, cujo bem-estar depende do comércio externo. Castigam também as amizades: em julho passado, o primeiro-ministro da Turquia teve de fazer cobrança em caráter pessoal. Ele ainda espera uma solução.
É o tipo de nó que nem mesmo um Itamaraty povoado de engenheiros poderia desatar.



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