quarta-feira, 8 de abril de 2015

O preço político das sanções à Venezuela


A mesma administração Obama que finalmente começaria a normalizar as relações com Cuba, emprega sanções contra a Venezuela


A última Cúpula das Américas, em Cartagena, na Colômbia, em 2012, foi um desastre para o presidente Barack Obama. Houve escândalos entre agentes do serviço secreto americano e profissionais do sexo, uma rebelião do sul contra a fracassada "guerra às drogas" americana e, sobretudo, oposição unânime ao embargo dos EUA a Cuba.
O sinal mais decisivo de que não era apenas um caso de os suspeitos de sempre causando problemas foi o aviso dado pelo presidente Manuel Santos, da Colômbia --um dos poucos "amigos" de Washington na região--, de que não haveria outra cúpula sem Cuba.
No ano passado, Barack Obama ofereceu um presente de Natal surpresa aos seus vizinhos do sul: depois de mais de meio século de agressão contra Cuba, ele finalmente começaria a normalizar as relações. Bem-vindos ao século 21!
Embora republicanos jihadistas e neoconservadores tentem adiar o processo no Congresso, a Casa Branca expressou publicamente a esperança de que houvesse pelo menos embaixadas abertas nos dois países antes da cúpula de 10 de abril.
Mas o que Deus dá com uma mão, ele tira com a outra. Em 9 de março a Casa Branca declarou "emergência nacional" devido à "extraordinária ameaça à segurança nacional" representada pela Venezuela.
A administração Obama tentou minimizar a linguagem empregada, descrevendo-a como mera formalidade, mas o mundo sabe que esse tipo de linguagem ameaçadora e as sanções que a acompanham podem ser bastante prejudiciais à saúde do país designado. No passado, houve ocasiões em que até foram seguidas de ações militares.
Fato mais alarmante, no caso atual, foi que em uma audiência no Senado, em 17 de março, Alex Lee, do Departamento de Estado, declarou que as sanções atuais são apenas "a primeira saraivada" contra a Venezuela. É claro que o mundo fora de Washington sabe que as sanções não guardam relação alguma com as supostas violações dos direitos humanos na Venezuela.
Mas as sanções também deixaram claro que a abertura do presidente Obama não representou nenhuma mudança na estratégia de Washington para a região: a intenção de ampliar as relações comerciais e diplomáticas visou apenas propiciar uma estratégia mais eficaz de enfraquecimento do governo cubano --e de todos os governos de esquerda na região.
Isso inclui o Brasil, onde, em 2005, o Departamento de Estado dos Estados Unidos financiou esforços para enfraquecer o governo petista, segundo documentos do próprio governo norte-americano.
Representantes do Brasil, do México, da Colômbia, da Argentina e quase todos os países das Américas manifestaram-se contra as sanções na OEA (Organização dos Estados Americanos). A Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), por exemplo, pediram a sua revogação.
O governo cubano também respondeu com força, jogando por terra as esperanças de algum acordo antes da próxima cúpula, à qual Obama irá de mãos abanando após essa iniciativa mal pensada.
Esperemos que o Brasil --e que todos os outros países presentes à Cúpula das Américas, nesta sexta-feira (10) e sábado (11) no Panamá-- deixe claro que esse tipo de comportamento de "Estado fora da lei", com sanções unilaterais que violam a Carta da OEA, não será tolerado.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Humildade e desigualdade

JULIA SWEIG

Democratas e republicanos começam a questionar a concentração de riqueza nas mãos de 1% dos EUA

Os políticos americanos e seus assessores peritos estão tentando decifrar como falar de pobreza e desigualdade nos EUA sem recorrer a eufemismos que escondam a verdade. É uma experiência de humildade para um país que se orgulha de sua mobilidade social: admitir que esforços anteriores atolaram, que a disparidade aumentou e está prejudicando nossa coesão nacional.
A experiência do Brasil é instrutiva. Num país onde desigualdade e identidade nacional andam de mãos dadas, 25 anos atrás uma classe política inteira, abrangendo todo o espectro político, decidiu que democracia sem inclusão social é insustentável. Esperemos que o despertar da classe política americana se faça acompanhar de um ajuste semelhante de posição.
Há diferenças grandes, a começar pela quase ausência hoje de movimentos sociais nos EUA que lutem por grandes transformações. No Brasil, não foi só uma equipe econômica inteligente que finalmente começou a mudar a situação --isso se deveu também aos movimentos sociais que deixaram claro que a população pobre e trabalhadora merece condições de vida melhores.
Mesmo sem ativistas nas ruas, republicanos e democratas estão se sintonizando com o espírito popular e político e começando a questionar a concentração de riqueza nas mãos de menos de 1% da população. Temos milhões demais de eleitores e potenciais eleitores que vivem na pobreza, e uma concentração alta demais desses milhões é formada por negros, hispânicos e crianças. Também temos uma classe média cujos salários estão estagnados há anos e para a qual o ensino superior se tornou algo quase fora de seu alcance. Nossa meritocracia corre perigo.
E isso remete diretamente à questão de nossa autoimagem e do cálculo político que nos impele, ainda hoje, a procurar eufemismos para falar de classe social.
Os democratas, especialmente os que têm reflexos de Wall Street, avisam ""como fez recentemente o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers--que qualquer discussão sobre a disparidade deve evitar a "política da inveja". Estão embutidas nessa frase todas as contradições dos novos democratas de (Bill) Clinton que agora estão se reposicionando como quase-populistas de (Hillary) Clinton.
Entre os nós que precisam ser desfeitos: como o governo pode ajudar a melhorar as condições das famílias trabalhadoras e de classe média, quando os regulamentos financeiros --a desregulamentação, na realidade--tiveram o efeito de transferir a riqueza para longe dessas famílias, rumo ao ápice de pirâmide?
E como financiar uma campanha política sem as contribuições financeiras dos beneficiários dessa desregulamentação? O que fazer quando o crescimento, por si só, não ajuda a classe média? Censurar os críticos dessas distorções, tachando-os de estraga-prazeres, é algo que mata o diálogo.
As metas de desenvolvimento sustentável para 2030 definidas pela ONU em 2014 requerem que todos os países membros, incluindo os EUA, reduzam a desigualdade e eliminem a pobreza. Isso, sim, é um tópico que dá margem a conversa. Folha, 11.02.2015.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Diplomacia do ajuste

Continuamos hoje onde estávamos há dez anos, só que sem o dinheiro que jorrava há dez anos
Está inaugurada a nova era de austeridade fiscal.
Com um corte do gasto público da ordem de 2% do PIB e a elevação de impostos na véspera do foro de Davos, o governo sinaliza ao mundo para onde vai.
O movimento é de caráter preventivo. Faz-se a arrumação da casa por conta própria, evitando que o mercado global de capitais o faça por meio de um choque externo com consequências ainda mais nefastas para a população.
Só que um ajuste fiscal geralmente tem implicações diplomáticas. Ao cortar gastos, o governo é forçado a rever suas ambições internacionais para baixo, despertando em seus parceiros mundo afora uma expectativa de retração.
No entanto, não será esse o caso desta vez.
A nova política econômica do governo não levará ninguém a apostar em grandes cortes na política externa.
O motivo é simples: o ajuste já foi feito e a retração já ocorreu.
O lado mais palpável dessa história é o orçamento do Itamaraty, que foi reduzido de maneira feroz. Mas outras áreas da máquina pública tiveram experiência igual.
Muito antes da chegada de Levy, a Agência Brasileira de Cooperação já perdera a capacidade de atuação, enquanto as embaixadas e consulados na África e no Oriente Médio já estavam na escassez.
O real vinha se desvalorizando, a China desacelerava e o preço das commodities já vinha em curva decrescente, complicando a capacidade brasileira de operar na economia global.
Muito antes da chegada de Levy, o Brasil já se encontrava sem a projeção internacional na América do Sul e nos foros multilaterais que chegara a ter em meados da década de 2000.
Os escândalos de corrupção dos últimos meses terminaram por completar o ajuste, pois sacudiram as grandes multinacionais e, de quebra, o BNDES, instrumentos fundamentais da projeção do capitalismo brasileiro pelo mundo.
Hoje, a exceção ao ajuste é a missão de paz no Haiti, item unitário mais custoso da diplomacia brasileira. Fora isso, não tem muito mais onde cortar.
O problema com o ajuste diplomático desses últimos anos é ter sido feito a toque de caixa e no improviso. O aperto foi implementado sem um arrazoado sobre prioridades de política externa e sobre estratégias alternativas para o futuro.
Em termos de pensamento estratégico, continuamos hoje onde estávamos há dez anos, só que sem o dinheiro que jorrava há dez anos.
O resultado melancólico disso é não termos hoje uma diplomacia enxuta e, portanto, pronta para embarcar num novo ciclo de expansão assim que os ventos soprarem a favor e o dinheiro voltar a jorrar.
O que temos, por enquanto, é uma diplomacia encolhida pelas circunstâncias.
Tomara que quem manda saiba enxergar nos anúncios de Levy a luz no fim do túnel e aposte desde já no processo de restauração.
Folha, 21.01.2015