quinta-feira, 29 de maio de 2014

Aliança do Pacífico e Mercosul não são blocos excludentes

ENTREVISTA - HERALDO MUÑOZ
Chanceler do Chile afirma que seu país tem dialogado com o Brasil para uma integração continental, deixando de lado a ideologia
MÔNICA BERGAMOCOLUNISTA DA FOLHA
O Chile quer ser uma ponte entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul, os dois principais blocos comerciais latino-americanos. E um não exclui o outro, como diz o chanceler chileno, Heraldo Muñoz, 65. Nesta entrevista, ele diz que o Chile tem um modelo de desenvolvimento "diferente" da Argentina ou da Venezuela, mas defende a convergência dentro do continente.
Folha - Quando Michelle Bachelet voltou à Presidência, o governo brasileiro disse que queria se aproximar muito do novo governo do Chile. Como será isso na prática?
Heraldo Muñoz - Tem havido um diálogo intenso entre as duas chancelarias. Reunimo-nos antes da posse [de Bachelet, em março] para nos coordenarmos para a primeira reunião da Unasul que, no Chile, trataria da Venezuela [onde ocorriam protestos].
Minha primeira visita bilateral foi ao Brasil. O país indicará um diplomata para integrar a missão chilena no Conselho de Segurança da ONU [o Chile ocupa um assento não permanente até o fim de 2015]. Em troca, o Brasil nos dará informações sobre países onde não temos chancelaria, especialmente os da África.
A nosso convite, os chanceleres do Brasil e da Argentina foram a uma reunião com 170 empresários da Apec [Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, na sigla em inglês]. E estamos falando de modalidades de convergência entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico.

A Aliança do Pacífico já foi definida como antídoto para governos de esquerda da região.
Não concordo com essa visão. AP e Mercosul não são blocos excludentes. Há possibilidades concretas de avançar até uma convergência. Em segundo lugar, a política exterior do Chile não é ideológica. Para nós, a AP é um bloco de integração econômica, não ideológica.

Mas parecia ser.
Por isso mesmo nós dissemos de forma clara e categórica: se há alguma intenção de transformar a AP em um bloco político excludente ou supostamente de contraponto ao Mercosul, o Chile não vai compartilhar.
Aspiramos ser um país-ponte e também porto em direção à Ásia e ao Pacífico. É evidente que, para isso, é preciso que os países do Atlântico exportem seus produtos (para a Ásia) através dos portos chilenos. Só estar alinhado à AP não nos serve. A nossa ideia é de convergência na diversidade. Temos um caminho de desenvolvimento diferente, quem sabe, da Argentina ou da Venezuela.

Os países do Mercosul seriam populistas?
De nenhuma maneira. Os empresários chilenos, por exemplo, estão investindo e criando 100 mil postos de trabalho no Brasil. Temos com o país, bilateralmente, uma liberação comercial de 98%. Com a AP, de 92%. É um mito dizer que aqui existe um bloco mais liberal.

O senhor acredita que um dia o continente poderá se juntar em um só bloco?
Quem sabe, em um horizonte mais distante, isso seja factível. Mas hoje é preciso, de maneira pragmática, começar um processo de diálogo gradual e de complementaridade. Vou levar uma série de ideias à próxima reunião de chanceleres do Pacífico, no México. Não queremos colocar um freio na AP, mas sim enxergar o que é factível com o Mercosul, como uma convergência alfandegária, facilitação do turismo, integração cultural. Podemos usar o conceito das distintas velocidades da União Europeia, que permite aos países avançar mais rápido que os outros, caso o queiram.

Seria o que o senhor chama de uma só voz no continente?
Sim, uma só voz no continente, o que é fundamental hoje num mundo que negocia em blocos. Se a América Latina não é capaz de se colocar de acordo, vamos ficar à margem. Hoje em dia, no G20, há três países: Brasil, México e Argentina. Não há coordenação entre eles. Corremos o risco de perder as oportunidades que estão se abrindo em nível global.

Que balanço faz da participação da Unasul no diálogo com a Venezuela?
Quando fomos a Caracas, fizemos gestões muito difíceis. Falamos com o governo primeiro, depois com a oposição, buscando espaços de interlocução entre eles. Conseguimos recompor algo da confiança [entre as partes]. O momento é difícil: a oposição fala que as conversas estão congeladas. O fato é que, desde o início do diálogo, não tem havido mortes.

A Unasul fez questões duras para o governo?
Sim. Nos diálogos com o presidente Maduro, fomos muito francos. Mas não vou falar do que tratamos porque foram diálogos privados. Cabe aos venezuelanos chegar a um acordo. A Unasul não pode fazer o que eles não estejam dispostos a fazer. 

Folha, 29.05.2014

A Europa vai se suicidar?

Crescimento dos partidos xenófobos e eurofóbicos não deve permitir nem complacência nem histeria
É assustador o avanço dos partidos eurofóbicos e xenófobos nas eleições de domingo (25) para o Parlamento Europeu, mas o pior que poderia acontecer seria deixar-se tomar pela histeria.
Um olhar não histérico sobre a votação dirá que, sim, é horrível que a extrema direita tenha passado de 56 eurodeputados, em um total de 736, para 108 em 751, que é a nova composição da Eurocâmara. Praticamente dobrou, portanto.
Mas, ainda assim, não passam de 14% do total. Mais: na metade dos 28 países europeus, não se elegeu nenhum eurofóbico (Espanha, Romênia, República Tcheca, Portugal, Bulgária, Eslováquia, Croácia, Irlanda, Letônia, Eslovênia, Chipre, Estônia, Luxemburgo e Malta).
Ou seja, a xenofobia/eurofobia, irmãs siamesas, não é um fenômeno generalizado. Na lista estão dois dos países mais espancados pela crise (Espanha e Portugal). Em Portugal, perdeu o partido do governo, mas subiu o seu adversário tradicional (o Partido Socialista).
Na Espanha, perderam votos os partidos sempre majoritários (conservador e socialista), mas surgiu um grupo ("Podemos") que representa os "indignados", para nada xenófobo.
Mesmo na Grécia, devastada pela crise e pelo austericídio, perdeu o governo, mas ganhou a Syriza (Coligação de Esquerda Radical), que não é contra a Europa e menos ainda xenófoba, ao contrário, aliás.
Mesmo na França, em que, aí sim, o susto foi espetacular, com a vitória da Frente Nacional, é preciso cautela ao imaginar que se trata do início de crescimento imparável que acabará depositando Marine Le Pen no Palácio do Eliseu.
É bom lembrar que, em 2002, a FN foi para o segundo turno da eleição presidencial, deixando o Partido Socialista para trás, mas acabou triturada no voto final.
O outro partido eurofóbico de sucesso no domingo (o Ukip, Partido pela Independência do Reino Unido) cresceu em número de conselheiros (espécie de vereadores) nas eleições locais, simultâneas com as europeias, mas não elegeu um único presidente de conselho.
O eleitor parece achar que o Parlamento Europeu não interfere diretamente na sua vida e, portanto, pode despejar nele qualquer loucura. Mas, na hora de escolher para seu próprio país, vota nos partidos clássicos.
Feitas todas as ressalvas, não há, no entanto, lugar para a complacência. Como diz Joaquín Almunia, vice-presidente da Comissão Europeia, braço executivo do bloco, "não mudar nada depois dos resultados da eleição seria suicídio".
Afinal, parece ter razão o sociólogo espanhol Jordi Vaquer ao escrever, para "El País", que os eleitores "não estão fartos da Europa, mas DESTA Europa", ou seja, da Europa do austericídio.
Mensagem recolhida pelo grande vencedor de domingo, entre os partidos convencionais, o presidente do Conselho de Ministros italiano, Matteo Renzi: está propondo uma "ope­ra­cão key­ne­sia­na", com es­tí­mu­los e in­vestimentos, além de uma convenção constitucional para relaxar as rígidas regra­s fiscais da eu­ro­zo­na. A ver, pois, se a Europa se suicida ou não. Clovis Rossi. Folha, 29.05.2014.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Conselho de Segurança tem falhas expostas

Por SOMINI SENGUPTA
ONU - Desde o início do ano o Conselho de Segurança já discutiu o conflito na Síria nada menos que 18 vezes e dedicou 13 sessões à crise política na Ucrânia.
E essa ainda é a ação mais concreta tomada pelo Conselho para resolver os conflitos. Ele não propôs soluções diplomáticas. No caso da Síria, a Rússia vetou três resoluções em três anos.
Especialistas dizem que a paralisia em torno da Síria expôs a impotência do Conselho em certos casos e alimenta os chamados por mudanças fundamentais.
Não é só o fato de que o Conselho não tenha conseguido sustar a guerra civil. A ONU não tem sequer garantido a entrega de suprimentos humanitários, como alimentos e remédios, aos sírios que passam necessidade.
"Estamos de volta aos tempos mais sombrios e negros do Conselho de Segurança desde a Guerra Fria", disse Jan Egeland, ex-coordenador de assistência humanitária emergencial da ONU.
Nos último ano, o Conselho já discutiu sobre a Síria 33 vezes, mas a ameaça de veto russo impede a aprovação de uma resolução que possa ser implementada.
Desde 1990, os Estados Unidos vetaram resoluções do Conselho de Segurança em 16 ocasiões e a Rússia, em 11. A França propôs que o poder de veto seja limitado.
As violações dos direitos humanos continuam na Síria, sem qualquer sinal de acordo entre os membros do Conselho quanto à possibilidade de submeter o país ao Tribunal Penal Internacional.
Um pacto para a retirada de armas químicas não abrangeu os fatores que causam mais mortes: armas de fogo, bombas e a fome.
O Conselho de Segurança tampouco fez qualquer coisa para combater uma crise nova: um surto de pólio. Caminhões carregados de trigo, antibióticos e cobertores ainda são barrados nas fronteiras da Síria.
O Reino Unido anunciou que priorizará o financiamento de ONGs que possam entrar na Síria sem que o governo saiba, em vez de financiar grupos da ONU.
O diplomata canadense David M. Malone, autor de três livros sobre o Conselho, disse que a entidade não deixa de ter tido vitórias, como a autorização de uma missão de paz na República Centro-Africana, mas que vem sendo "inútil por enquanto" na Síria.
"Mesmo nestes tempos angustiantes", ele disse, "ela está funcionando mais ativamente que durante a Guerra Fria, embora isso não constitua grande elogio."
A paralisia do Conselho, que tem 15 membros, ficou em destaque quando a chefe de Coordenação Humanitária da ONU, Valerie Amos, disse que as partes em conflito na Síria desrespeitaram a tão difundida resolução do Conselho exortando o acesso a comboios de ajuda humanitária.
Forças do governo continuaram a atirar bombas de barril, provocando baixas indiscriminadas. Medicamentos foram retirados dos comboios de assistência. Uma resolução que pedia que a ajuda fosse entregue em segurança fracassou, disse Amos.
No final de fevereiro, diplomatas ocidentais avisaram que tomariam "ações adicionais" se a medida exigindo a entrega de ajuda humanitária fosse desrespeitada. Nenhuma providência foi adotada até agora.
O embaixador brasileiro Antonio Patriota disse que os cinco membros permanentes do Conselho são incapazes de passar por cima de suas posições entrincheiradas para se comunicar. "O ambiente no interior do P5 é de desconfiança e diferenças ou divergências entrincheiradas".
O que mais perturba as agências humanitárias é o contraste entre o rigor com o acordo sobre armas químicas e o desrespeito flagrante à medida relativa ao acesso humanitário.
"A diplomacia teve êxito extraordinário em acabar com 1% do problema, que eram as armas químicas", comentou Egeland.
Diplomatas dizem que as dificuldades do Conselho em relação à Síria macularam sua reputação.
Para Christian Wenewaser, o embaixador de Liechtenstein, "há um nível de frustração que não se via havia algum tempo. As pessoas estão questionando o que o Conselho está fazendo." NYT, 20.05.14

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Mercosul: Retórica e realidade

Os interesses comerciais brasileiros devem vir antes de afinidades ideológicas e jamais a reboque de parceiros, como ocorre hoje
Em artigo recente ("Ideia de acabar com o Mercosul é pouco factível e empobrece debate necessário", "Mundo", 23/4), a professora titular de universidade argentina Monica Hirst criticou "um candidato presidencial brasileiro" por ter sugerido "terminar com o Mercosul".
O pré-candidato presidencial em questão, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), em nenhum momento propôs o fim do Mercosul.
O que tem sido corretamente notado por ele, em diferentes oportunidades, é que o Mercosul, como mecanismo de abertura de mercado e liberalização de comércio, está paralisado e tornou-se irrelevante do ponto de vista comercial.
O Mercosul representa hoje apenas 8,6% do intercâmbio total do Brasil, depois de ter representado quase 16% do comércio exterior total. O protecionismo ilegal e defensivo prevalecente gera uma atitude introvertida contrária aos interesses do Brasil.
O resultado foi um crescente isolamento do Brasil e do Mercosul das novas formas de comércio --cadeias produtivas globais, que representam hoje 56% do comércio global-- e das negociações de acordos de livre comércio bilaterais e de mega-acordos regionais. O Brasil e o Mercosul concluíram negociação com apenas três países: Israel, Egito e Autoridade Palestina.
O que Aécio Neves tem dito é que a política em relação ao Mercosul deve ser revista e que as regras do bloco deveriam ser flexibilizadas.
Nesse sentido, deveria ser revogada a decisão de negociar acordos com terceiros países com uma única voz, o que impede o avanço das negociações comerciais.
Um acordo abrangente e equilibrado de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul, que vem sendo negociado há mais de uma década e tem na resistência argentina um de seus principais entraves, tem merecido todo o apoio da oposição.
Ao defender que o Mercosul pratique o livre-comércio, Aécio Neves não quer o fim da tarifa externa comum. Apesar de imperfeita, a união aduaneira (atual estágio do Mercosul) garante preferências tarifárias para os produtos industriais brasileiros, que sem ela teriam de submeter-se à concorrência aberta com fornecedores de todo o mundo, em especial da Ásia, no momento em que há uma crescente perda de competitividade da indústria, em decorrência do alto custo Brasil.
A crítica que se faz ao Mercosul é sua transformação, por inspiração partidária, de um tratado econômico-comercial em um fórum que ignora totalmente o objetivo inicial dos países membros.
Nada contra a discussão sobre temas sociais e políticos, que aliás já existia antes de 2003, ano em que tudo começou no Brasil...
Os interesses comerciais brasileiros devem vir antes de simplórias afinidades ideológicas e jamais a reboque dos demais parceiros, como ocorre hoje. O Brasil está atrelado ao atraso representado pela Venezuela, Bolívia e Argentina.
O debate sobre o Mercosul é urgente. Não uma discussão pobre, ideológica, mas objetiva e direta, colocando o interesse nacional acima de qualquer outra consideração.