JULIA SWEIG
Se eu fosse um negociador americano, não faria pouco caso da cúpula, vendo-a como 'banana' antiocidental
Meu colega da Folha Clóvis Rossi observou recentemente que meus colegas do Council on Foreign Relations ignoraram a cúpula desta semana dos Brics quando montaram o "Calendário de Eventos Mundiais" de julho. Quer tenha sido descuido editorial ou omissão consciente, é verdade que as cúpulas dos Brics e Brics-Unasul mal são registradas pelo radar de Washington.
Compartilho a previsão dos céticos de que é bem provável que as reuniões produzam mais simbolismo que substância. O ditado segundo o qual o simples comparecimento de um chefe de Estado de peso já é por si só o propósito realizável não chega a demonstrar o peso político/diplomático dos Brics (nem de qualquer outra cúpula regional, na realidade).
E quem pode discordar das observações de cautela em relação ao banco e fundo de estabilização dos Brics? O banco vai levar tempo para tornar-se operacional, e ainda há muitas perguntas sem resposta sobre seus critérios de concessão de crédito e pagamento, transparência e elegibilidade.
O financiamento dos Brics (leia-se: principalmente da China) à infraestrutura no mundo em desenvolvimento vai exigir condições ambientais de obras potenciais? Nenhum grau de irritação com o sistema de cotas do FMI ou a condicionalidade do Banco Mundial deve justificar a concessão de empréstimos que desrespeitem o ambiente em nome do desenvolvimento.
O olhar atento que as ONGs ambientais impuseram aos empréstimos concedidos por bancos multilaterais tradicionais vai agora, certamente e justificavelmente, estender-se para o banco dos Brics.
Outro argumento comum contra a relevância dos Brics é que Washington, Bruxelas, Paris, Londres e Berlim sempre estarão preocupadas com outras questões de segurança global para as quais necessitam da cooperação das potências emergentes, mas duvidam que a consigam.
Além disso, argumentam os céticos, as relações bilaterais entre cada membro dos Brics e Washington ou a Europa vão dominar em termos econômicos, políticos e geopolíticos no curto e médio prazo.
Mesmo assim, os pensadores estratégicos da comunidade do Atlântico Norte hoje preocupados com o Irã, a Ucrânia, Israel, a faixa de Gaza e o mar do sul da China podem prestar atenção por um instante.
Eles deveriam se perguntar o que significa o fato de que Xi Jinping e Vladimir Putin hoje se sentem confiantes o suficiente não apenas para prometer benesses financeiras --isso nós já ouvimos antes--, mas também para dar a entender que existem laços "políticos" mais profundos com os sul-americanos que participam da cúpula desta quarta-feira (16) em Brasília.
Washington, especialmente, deveria tomar nota: não são apenas Cuba, Venezuela e os outros países da Alba que estão diversificando seus portfólios comerciais, de investimentos e "políticos". A tendência de longo prazo de autonomia na política externa latino-americana e de hibridez nos modelos econômicos latino-americanos (nem ortodoxia do livre mercado nem capitalismo de Estado ou socialismo de Estado) desafia os Estados Unidos em termos não apenas históricos.
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